O complexo de percevejos tem causado prejuízos cada vez maiores nas culturas que compõem o principal sistema produtivo nas diversas regiões no Brasil. Sua importância como praga é elevada, uma vez que se alimentam de hastes, ramos e diretamente das estruturas reprodutivas e injetam toxinas nos tecidos vegetais, ocasionando danos às plantas e consequente redução na produtividade e efeitos diretos na qualidade do produto.
Embora diversas espécies de percevejos ocorram nessas culturas, o percevejo-marrom e o percevejo barriga-verde, são as espécies mais frequentes e de maior importância hoje para o sistema de cultivo soja-milho-algodão. No entanto, outras espécies bastante prejudiciais à soja, como o percevejo verde e o percevejo verde-pequeno também são importantes no sistema e serão discutidas aqui.
Percevejo marrom
O percevejo marrom, Euschistus heros, é a principal praga da soja e ocasiona prejuízos significativos devido à sua agressividade e abundância nas principais regiões produtoras (Figura 1). Por se alimentar de vagens e grãos, sua ocorrência é predominante a partir do estágio reprodutivo da cultura, mais precisamente no início da formação das vagens (estádio R3) até o final da maturação fisiológica (R7), quando os percevejos migram para outras lavouras de soja, para a cultura subsequente ou para plantas hospedeiras. Além do ataque direto nos grãos causar murcha, deformação e redução de peso, o percevejo marrom também pode causar danos significativos na planta ao sugar o caule e ramos, uma vez que isso pode desencadear o fenômeno fisiológico conhecido como retenção foliar. Esse distúrbio fisiológico, interfere no processo de amadurecimento, impede a senescência foliar e prejudica a colheita.
O percevejo marrom também ocorre nas culturas de milho e algodão. No algodão, ele se alimenta das maçãs, danificando as cápsulas e provocando perda de qualidade e rendimento. Neste sistema de cultivo, é comum que as áreas cultivadas com algodão sejam circundadas por lavouras de soja, e isso favorece a migração dos percevejos da soja em final de ciclo para o algodão em pleno desenvolvimento reprodutivo. Na cultura do milho, o percevejo marrom ataca plântulas, podendo em casos severos, ocasionar morte ou prejudicar o desenvolvimento das plantas e espigas. Devido ao hábito de ataque, o percevejo marrom causa danos semelhantes, embora em menor intensidade quando comparado ao percevejo barriga verde. A maior ocorrência desta espécie ocorre em lavouras de milho semeadas em segunda safra em sucessão à soja. Apesar do percevejo marrom preferir a cultura da soja, o sistema de cultivo favorece sua permanência e multiplicação nas áreas, uma vez que milho e algodão são fontes de abrigo e alimentação de percevejos que migram após o fim do ciclo da soja para essas culturas.
Figura 1. Adulto (a) e ninfa de quinta ínstar de percevejo marrom (b); danos diretos em grãos de soja em decorrência do ataque de percevejos (c).
Percevejo barriga verde
O percevejo barriga verde é praga-chave do milho e tem aumentado sua importância nos últimos anos, uma vez que também tem ocorrido em lavouras de soja. As espécies Diceraeus melacanthus e Diceraeus furcatus estão presentes na paisagem agrícola, no entanto, D. melacanthus é predominante nas principais regiões produtoras de climas subtropical e tropical e é caracterizado pela presença de pronoto e extremidade dos espinhos com coloração escura, cabeça terminando em duas projeções pontiagudas e abdômen de coloração verde na face ventral (Figura 2a).
Na soja, embora o percevejo barriga verde possa ocorrer a partir da fase cotiledonar, quando pode causar a morte de plântulas, é observado em elevadas populações no final do ciclo da cultura, próximo à maturação das plantas, das quais migram posteriormente para o milho semeado em segunda safra. No milho, o percevejo barriga-verde ocorre em qualquer época de semeadura e causa danos significativos na fase inicial do seu desenvolvimento. Os danos mais severos ocorrem pela sucção da seiva no meristema apical das plantas, uma vez que ao se alimentar, o percevejo injeta substâncias tóxicas para as plantas, que geralmente emitem perfilhos e apresentam folhas deformadas com perfurações perpendicularmente dispostas às nervuras (Figura 2c). Em áreas com alta infestação, a morte de plântulas pode comprometer o estande e as plantas que sobrevivem, apresentam subdesenvolvimento e baixa produtividade.
Figura 2. Adulto (a) e ninfa de quinto ínstar de percevejo barriga-verde (b); danos em milho causados em decorrência do ataque de percevejo barriga-verde (c).
Percevejo verde e percevejo verde-pequeno
Entre as pragas que ocorrem na soja, os percevejos são os mais prejudiciais, uma vez que o atacam diretamente as estruturas reprodutivas e, ao sugarem, algumas espécies injetam toxinas que podem causar a retenção foliar, também conhecida como soja louca. Além do percevejo marrom, mencionado previamente, outras espécies são conhecidas por causarem retenção foliar, como o percevejo verde-pequeno Piezodorus guildinii (Figura 3a,b) e o percevejo verde Nezara viridula (Figura 3c,d). Por serem pragas frequentes e bastante danosas à cultura da soja, estas duas espécies apresentam importância dentro do sistema de cultivo, uma vez que também podem atacar o milho e algodão.
Figura 3. Adulto (a) e ninfa de quinto ínstar (b) de percevejo verde-pequeno; Adulto (c) e ninfa (d) de percevejo verde.
O percevejo-verde-pequeno é nativo da região neotropical, amplamente distribuído no Brasil e, especialmente na região Centro-Oeste, tem sido observado em lavouras de algodão, causando danos à fibra e queda significativa de maçãs. O percevejo verde é considerado a espécie mais agressiva quanto à capacidade de retenção foliar em soja e pode causar enfezamentos na cultura do milho em plantas em início de desenvolvimento. No algodão o percevejo verde ocasiona podridões na maçã e queda de botões florais, prejudicando diretamente a produção.
Monitoramento de Percevejos
Embora os percevejos estejam presentes na soja desde o período vegetativo, é no período reprodutivo, a partir do aparecimento das vagens (R3), que as populações desses insetos aumentam. No entanto, o monitoramento deve ser iniciado no pré-plantio, uma vez que os percevejos podem estar presentes na área antes do estabelecimento da cultura, abrigados em plantas daninhas, plantas tigueras e/ou na palhada. Por isso, é fundamental que vistorias sejam realizadas previamente e em caso de ocorrência de percevejos, o manejo deve ser realizado através do controle químico e dessecação da palhada 30 dias antes do plantio, com o objetivo de reduzir a população e eliminar as fontes de abrigo na área. Após o estabelecimento da soja, o monitoramento semanal deve ser realizado a partir estádio R3 até a maturação fisiológica, sendo intensificado nos períodos mais críticos. As amostragens são realizadas através do pano de batida, e o controle deve ser realizado apenas quando os níveis de controle forem atingidos. Em soja os níveis de controle são dois percevejos adultos ou ninfas, a partir do terceiro ínstar (> 0,5 cm), por metro linear em lavouras comerciais e um percevejo para campos de produção de sementes.
Na cultura do milho, a amostragem de percevejos é feita através da inspeção visual da planta semanalmente por um período de 20 dias a partir da emergência. Em cada ponto de amostragem são analisadas 10 plantas e o nível de controle recomendado é de 1 percevejo. É importante ressaltar que a fase inicial do milho é a mais crítica para a ocorrência desta praga e, portanto, o monitoramento deve ser feito na palhada previamente ao plantio do milho com o auxílio de uma armação em formato quadriculado (0,5m x 0,5m) para a contagem de percevejos no solo, restos culturais e plantas daninhas. Em áreas com histórico de ocorrência e a presença de percevejos previamente ao cultivo, a intervenção pode ser realizada a partir da detecção dos primeiros indivíduos na amostragem.
Em lavouras de algodão, o monitoramento pode ser realizado com diferentes métodos de amostragem como a inspeção visual da praga e dos sintomas na planta, rede de varredura e pano de batida. Embora não haja um consenso a respeito do nível de controle de percevejos em algodão, estudos demonstram que o nível de dano econômico (NDE) para o percevejo marrom é de 0,1 percevejo/planta na fase de enchimento das maçãs. Na amostragem feita por rede de varredura, recomenda-se o controle a partir de 10 percevejos em 100 batidas de rede.
O correto monitoramento é essencial para o manejo eficiente de percevejos, uma vez que, conhecendo-se a densidade real da população é possível realizar a tomada de decisão assertiva e no momento mais adequado, evitando intervenções desnecessárias ou tardias. Estudos demonstram que populações de percevejos em baixa densidade no início de cultivo da soja tendem a permanecerem em níveis pouco significativos ou até mesmo reduzirem durante a fase vegetativa, devido à ação de inimigos naturais presentes na área. Por outro lado, aplicações desnecessárias de inseticidas químicos em início de cultivo tendem a ocasionar desequilíbrios populacionais e posteriores ressurgências em elevadas densidades na cultura.
Manejo de Percevejos
O manejo de percevejos exige ações integradas, que envolve o manejo de outras pragas e considera as diferentes fases de desenvolvimento das plantas, além das culturas que compõe a paisagem agrícola da região para o equilíbrio do sistema produtivo. O controle químico ainda é a principal tática de controle de percevejos e, embora necessário, deve ser utilizado com responsabilidade e em associação com outros métodos.
Entre os métodos complementares e que pode ser usado para o manejo de percevejos está o uso de plantas resistentes. Embora não haja plantas transgênicas para o controle de percevejos, há hoje disponível para os agricultores as cultivares de soja com a tecnologia “Block”, desenvolvida pela Embrapa com maior tolerância aos ataques de percevejos. Além disso, o controle biológico através de micro e macro organismos tem sido cada vez mais utilizado para o controle de pragas e, especificamente para o percevejo marrom, há diversos produtos comerciais microbiológicos a base de fungos como Beauveria bassiana, Metarhizium anisopliae e o parasitoide de ovos, Telenomus podisi.
Considerações
O complexo de percevejos que ocorre no sistema soja-milho-algodão tem hoje grande importância na agriculta do Brasil. Isso porque esses insetos estão presentes nas áreas em todos os períodos do ano e encontram condições para sobrevivência e multiplicação. Embora os percevejos ocorram em períodos específicos das culturas, torna-se essencial que o monitoramento seja iniciado previamente à semeadura, permaneça durante o cultivo e após a colheita, uma vez que o programa de manejo deve ser planejado e executado a nível de sistema de produção. Neste cenário, o manejo integrado de pragas demonstra ser a melhor alternativa para o controle efetivo de percevejos no sistema.
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